Blog PREPARANDO-SE PARA O ENEM E/OU VESTIBULARES, de
autoria de Álaze Gabriel.
Autoria:
Cristiano Mauro Assis Gomes - Doutor em Educação pela
Universidade Federal de Minas Gerais, Professor Adjunto da Universidade Federal
de Minas Gerais
RESUMO
Segundo o ENEM, o ensino deve promover o
desenvolvimento da inteligência (competências). Este artigo discute a qualidade
de duas avaliações escolares enquanto indicadores desse princípio. Foram
realizados dois estudos. O primeiro analisa dados de 230 estudantes de uma
escola da rede federal de Ensino Médio de Belo Horizonte e o segundo faz o
mesmo procedimento em relação a 273 estudantes do ensino médio de uma escola
particular da mesma cidade. Foram empregados os mesmos instrumentos e métodos
de coleta e análise de dados nos dois estudos, para fins de comparação dos
resultados. Foram analisadas relações entre inteligência fluida, notas
escolares e uma competência escolar geral. Foi utilizado o modelamento por
equações estruturais. Os resultados indicaram que as avaliações escolares dos
dois estudos se relacionaram aos princípios do ENEM. As implicações são
analisadas e discutidas.
Palavras-chave: Avaliação; inteligência fluida; aprendizagem.
INTRODUÇÃO
Desde os anos de 1990 têm ocorrido transformações
no campo da avaliação da aprendizagem discente no Brasil. Esse contexto de
mudanças faz parte de políticas públicas que têm estabelecido como prioridade a
equidade, a qualidade do ensino, o foco no raciocínio e o desenvolvimento de
habilidades cognitivas de alto nível.
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é uma
ferramenta que provém do contexto de mudanças apontado. Sua finalidade é o
diagnóstico anual em larga escala da qualidade da formação do estudante
brasileiro que finaliza a educação básica. Devido à sua importância, em 25 de
março de 2009 o ministro da educação Fernando Haddad enfatizou o papel do ENEM
como ferramenta de seleção para o ensino superior, propondo que esse exame
passe a ser utilizado como substituto do vestibular em instituições federais de
ensino superior. Segundo o argumento do ministro, além de gerar um sistema
único de avaliação, a utilização do ENEM tem como motivo a reorganização do
Ensino Médio brasileiro, valorizando uma educação voltada ao raciocínio, e não
à mera decoração ou memorização.
Um novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pode
substituir os vestibulares das universidades. Essa é a proposta apresentada
nesta quarta-feira, 25, pelo Ministério da Educação à Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). A intenção é
que a prova ajude a reorganizar o currículo do ensino médio e permita maior
mobilidade dos estudantes pelas universidades em todo o território nacional,
por causa do modelo unificado de avaliação.
De acordo com o ministro da Educação, Fernando
Haddad, a prova deverá ser mais voltada para a investigação e não para a
memorização, para avaliar a capacidade analítica e o raciocínio do aluno,
diferente dos vestibulares atuais (Brasil, 2009).
O motivo do uso do ENEM como possível substituto do
vestibular está alicerçado na gestão do uso de ferramentas de avaliação. É mais
adequado formalizar e estruturar um sistema integrado que avalia o aluno e a
qualidade da sua formação. Por sua vez, a gestão integrada de ferramentas não é
o único motivo, mas há um segundo, que é mobilizar a aceleração de mudanças na
educação básica brasileira, de modo a fomentar a melhoria da qualidade do
ensino. Ao avaliar o raciocínio, o ENEM estipula um juízo de valor sobre o que
é adequado, em termos educacionais, e sobre o que o ensino brasileiro deve
valorizar e definir como metas para seu alcance.
Desde o seu nascimento, o ENEM propõe medir
competências mentais, definidas como modalidades estruturais da inteligência
(Brasil, 1998, 2000, 2001). Em função dessa proposta, as provas do ENEM são
feitas de forma a mensurar a capacidade de raciocínio discente (Machado, 2005a;
Murrie, 2005; Menezes, 2005; Guimarães, 2005). O ENEM busca romper com o tipo
de educação que prioriza a mera memorização do tipo "decoreba", assim
como impulsionar um ensino focado na educação do pensamento e na capacidade de
aprender.
As competências mentais, alvo maior do ENEM, são
definidas como a capacidade do estudante de: (1) dominar a norma culta da
Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica
(Condeixa, Murrie, Dias & Carvalho, 2005); (2) construir e aplicar
conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais,
de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações
artísticas (Menezes, Gualtieri, Guimarães, Lisboa & Kawamura, 2005); (3)
selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações,
representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar
situações-problema (Macedo, Teixeira, Ferreira & Andrade, 2005); (4)
relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimentos
disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente
(Machado, 2005b); (5) recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola com
vistas à elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade,
respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural
(Martino, Krajewski, Júnior & Pastore, 2005).
Formadas por habilidades de pensamento (operações
mentais) e estruturas de conhecimento (esquemas mentais), as competências da
matriz do ENEM têm como fundamento o conceito de inteligência da teoria de
Piaget, segundo a qual inteligência é a capacidade de formar relações de
caráter reversível, cada vez mais complexas e abstratas. Segundo essa teoria,
por meio da inteligência o ser humano é capaz de lidar com o novo de forma não
superficial e estabelecer projeções criativas sobre os fenômenos e os objetos
do mundo (Macedo, 2005a; 2005b; 2005c).
Devido ao foco no raciocínio, o ENEM postula
princípios para a elaboração de suas provas. Segundo Fini (2005), todos os
itens devem ser pautados pela condição de mobilizar situações-problema em que o
enunciado e as demandas postas nas questões gerem desafios suficientes aos
participantes, de forma a contemplar um problema efetivo a ser resolvido.
Qualquer item deve oferecer as informações necessárias para as tomadas de
decisão necessárias à resolução do problema proposto. As alternativas de
resposta devem possuir coerência com o processo envolvido na resolução do
problema, de modo a corresponder a respostas parciais para o problema ou erros
previstos no processo.
Analisando-se as características dos itens da prova
do ENEM, percebe-se o foco na capacidade de pensar. O aluno deve centrar-se em
processos de interpretação de novos contextos, ao invés de preocupar-se
exclusivamente em relembrar conceitos e procedimentos já aprendidos, na medida
em que as informações estão disponibilizadas dentro do problema (Vianna, 2003).
Nesse sentido, o ENEM pretende verificar se o aluno que finaliza a educação
básica é capaz de pensar de forma abstrata, raciocinar e aplicar seu
conhecimento, assim como verificar se a educação brasileira tem possibilitado
uma formação discente capaz de atingir esse objetivo.
Conforme já argumentado, a prova do ENEM tem como
um dos motivos fomentar mudanças na qualidade do ensino praticado pelas escolas
brasileiras. É perceptível que esse exame tem causado impacto gradativo no
trabalho docente (Zanchet, 2007). Do ponto de vista mercadológico, as escolas
particulares têm utilizado um ranking que posiciona as escolas a cada
ano, em termos do desempenho dos seus alunos no ENEM. Esse ranking é
utilizado para fins de propaganda e divulgação da qualidade do ensino da escola
(Castro, 2009). Implícita a esse "ranqueamento" está a ideia de que
escola boa é aquela cujos alunos têm um bom rendimento no ENEM. Do ponto de
vista pedagógico, essa ideia não é necessariamente ruim, na medida em que se
espera que um bom desempenho no ENEM se articule a um bom desenvolvimento da
habilidade de raciocinar e pensar em termos abstratos.
Um aspecto importante mas ainda pouco explorado
pela sociedade brasileira diz respeito à relação entre o ensino oferecido pela
escola e sua articulação com o compromisso de oferecer ao aluno uma boa
formação. Através do Exame Nacional do Ensino Médio, o Brasil passou a possuir
princípios e critérios nacionais do que seja uma boa formação do estudante que
finaliza a educação básica. Pelas vias do ENEM, a sociedade possui parâmetros
objetivos para verificar se as escolas têm oferecido uma formação adequada aos
estudantes brasileiros. Em outras palavras, a partir do ENEM a sociedade ganha
poder de cobrança. Em termos práticos, a sociedade pode analisar uma nota
baixa no Exame Nacional do Ensino Médio como um indicador da incompetência do
sistema educacional em fornecer formação adequada ao aluno que finaliza a
educação básica.
As condições apontadas são corroboradas por Martin
(1998). Ele define que uma boa avaliação deve focar o desenvolvimento do aluno
e avaliar os resultados gerados por programas de intervenção de largo alcance,
com metas bem-definidas entre os diversos agentes envolvidos. Se as avaliações
escolares têm relação com os postulados do ENEM, então elas devem servir como
um indicador sobre como a escola tem participado do processo de desenvolvimento
do estudante, em nível da sua formação básica. Martin (1998) salienta a importância
de as avaliações serem objetivas, bem-elaboradas, construídas e validadas. Ele
é contrário ao uso irrestrito da percepção das pessoas sobre a formação dos
estudantes. Segundo ele, opiniões não são dados confiáveis, porque são
carregadas fortemente por fatores subjetivos, sentimentos, vieses e outros
processos psíquicos que não indicam o fenômeno visado. Confiar fortemente em
opiniões significa obter dados inválidos, não adequados ao propósito de
identificar a ocorrência de padrões de qualidade. Na melhor das hipóteses,
opiniões são bons indicadores do grau de satisfação do cliente. Martin (1998)
também defende que as avaliações não devem punir o professor. Em vez de
atribuir a "culpa" ou a causa a algum agente específico, como o
professor, a avaliação escolar deve ser utilizada para verificar a qualidade
das estruturas presentes na escola e como essas estruturas têm permitido ao
professor trabalhar e interferir na qualidade da formação do aluno. Neste
sentido, ao avaliar o desempenho do aluno, as escolas teriam por missão
fornecer bons indicadores sobre o desenvolvimento discente e buscar compreender
como as estruturas da própria escola têm contribuído para um bom trabalho
docente e uma formação adequada do estudante.
Os argumentos de Martinson (2000) complementam as
ideias presentes em Martin (1998). Segundo Martinson (2000), a qualidade da
avaliação escolar é bem trabalhada quando há uma efetiva discussão da missão da
escola. Ele explica que um bom trabalho só pode ser definido dentro de um
contexto. Bom trabalho é um juízo de atribuição que deve ser claramente
declarado pela comunidade que compõe a instituição de ensino. A partir da
comunhão de valores e expectativas, indicadores devem ser construídos de modo a
garantir à comunidade escolar um bom acompanhamento sobre o processo de
efetivação das metas a serem alcançadas. Tanto quanto a missão da escola,
também os direitos e deveres da escola e dos estudantes devem ser bem
definidos. Toda avaliação escolar deveria, em tese, ser um indicador que
mobilizasse esforços educacionais por parte da escola e por parte do alunado e
seus responsáveis.
Do ponto de vista da gestão escolar, ter o aluno e
seus responsáveis como clientes implicaria obrigatoriamente em educar os
clientes por meio da definição de algumas regras de relação. Martinson (2000)
defende o argumento de que regras claras e bem-definidas, que não firam
princípios éticos fundamentais e sejam construídas pela própria comunidade,
garantem uma melhor relação entre os atores da comunidade e estabelecem com
maior democracia os indicadores de qualidade, definidores do "bom"
trabalho da escola. Articulado a isso, ele defende a necessidade de resgate da
integridade acadêmica do professor e uma avaliação escolar cujo foco não sejam
o imediatismo e a necessidade de agradar ao cliente a todo o custo. Segundo
ele, uma comunidade escolar sadia deve se comprometer coletivamente com o
desenvolvimento do estudante.
Os argumentos sustentados por Martin (1998) e
Martinson (2000) expõem uma perspectiva de relação entre a avaliação escolar e
a qualidade do serviço educacional. Estes pesquisadores não têm um ponto de
vista que enfatize o cliente ou o mercado, em detrimento da qualidade - ao
contrário, eles sustentam uma posição de conciliação. Eles consideram a
necessidade de uma avaliação da qualidade dos serviços educacionais prestados
que leve em conta o que é realmente importante do ponto de vista educacional.
Eles afirmam que a avaliação não deveria ter como eixo a necessidade de agradar
ao cliente. Ao contrário, deveria se basear em pressupostos fundamentais que
alicerçam a missão institucional. Em outras palavras, a avaliação escolar
deveria ser uma ferramenta capaz de mostrar à comunidade escolar se a missão
institucional está sendo bem trabalhada pela escola.
A ausência de relação entre o raciocínio e as notas
escolares dificulta que os postulados apontados por Martin (1998) e Martinson
(2000) sejam efetivados. É no mínimo incongruente que uma escola valorize os
resultados de seus alunos no ENEM e ao mesmo tempo possua um sistema de notas
escolares que não valoriza os princípios básicos do próprio ENEM: foco no
raciocínio e na capacidade de pensar de forma abstrata.
Em função das mudanças trazidas pelos princípios e
critérios presentes no ENEM, à medida que as escolas brasileiras têm buscado
atingir esses princípios por meio de ações variadas, uma questão importante
envolve compreender se a avaliação do aluno realizada pela própria escola se
articula a esses princípios. Ao formular essa questão, pergunta-se se a avaliação
feita pela escola, em algum grau, acessa os princípios da boa formação
postulados pelo Exame Nacional do Ensino Médio.
Pode-se postular que as escolas que avaliam o aluno
de maneira articulada com os princípios do ENEM valorizam o raciocínio. Ao valorizar
o raciocínio e enfatizá-lo em sua avaliação, a escola oferece ao estudante e
seus responsáveis um indicador mais válido a respeito da qualidade da sua
formação, em termos dos princípios e critérios estabelecidos em nível nacional.
Ao mesmo tempo, ao oferecer um melhor indicador, a escola também informa mais
adequadamente se tem sido capaz de alterar a rota do desenvolvimento do
raciocínio do estudante, quando essa rota não satisfaz. Segundo Gomes e Borges
(2009a), há evidências favoráveis de que as provas do ENEM prioritariamente
mensuram o raciocínio. Esses autores encontraram evidências de que os escores
de uma amostra de estudantes do Ensino Médio referentes à prova de 2001 do ENEM
foram explicados, na maior parte da sua variância, pela habilidade de resolver
problemas alicerçada principalmente no raciocínio.
O presente artigo busca avaliar a qualidade das
notas de duas escolas da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Uma dessas
escolas é uma instituição de ensino médio da rede federal de ensino,
reconhecida por ser uma escola técnica que possui uma seleção competitiva e
apresenta um ensino de caráter mais construtivista. A segunda escola é uma
instituição particular voltada para o mercado e apresenta um ensino mais
tradicional, focado na transmissão do conteúdo. Ao escolher duas escolas com
contextos diferentes, pretende-se verificar se as notas escolares presentes
nessas instituições oferecem aos estudantes e seus responsáveis um bom
indicador a respeito da qualidade da formação discente estabelecida pelos
princípios do ENEM.
Para isso serão relatados dois estudos. Ambos
investigam a relação entre a inteligência fluida (Gf), o rendimento nas notas e
uma competência escolar geral (CEG). A inteligência fluida corresponde à
capacidade das pessoas de aprender coisas novas que requerem pouco conhecimento
prévio e de resolver problemas com maior teor de conteúdo abstrato. O
raciocínio é um dos componentes da inteligência fluida (Gf). A competência
escolar geral indica uma capacidade genérica de aprendizagem dos estudantes que
explica o desempenho nas notas de todas as matérias escolares. O primeiro
estudo investiga a relação entre Gf e CEG na instituição federal de Ensino
Médio e o segundo investiga a mesma relação na instituição privada. Para fins
de comparação, foram utilizados em ambos os estudos os mesmos instrumentos e os
mesmos métodos de análise e tratamento de dados.
ESTUDO 1
Participantes
São analisados os dados de 230 estudantes de uma
escola de Ensino Médio da rede federal de ensino da cidade de Belo Horizonte,
Minas Gerais, obtidos no ano de 2006. Quanto ao gênero, 107 (46,50%)
participantes eram do sexo feminino. A idade variou entre 14 e 20 anos. De 21
alunos não foi possível saber a idade; 27 (11,70%) tinham 14 anos, 70 (30,40%)
tinham 15 anos, 66 (28,70%) tinham 16 anos, 35 (15,20%) tinham 17 anos, seis
(2,60%) contavam 18 anos, três (1,30%) tinham 19 e dois alunos (0,90%) tinham
20 anos. Predominaram alunos da primeira série (52,60%). Os alunos da
segunda série compuseram 28,30% dos participantes e os alunos da terceira
série, 19,10%.
Instrumentos
Foi utilizado o Conjunto de Testes de Inteligência
Fluida, constituído de três testes, descritos a seguir: teste de indução (I),
teste de raciocínio lógico (RL) e teste de raciocínio geral (RG). Gomes e
Borges (2009b) identificaram, com sua aplicação, boas propriedades
psicométricas em uma amostra de estudantes do Ensino Médio.
O teste de indução (I) se constitui de 12 itens e
tem um tempo-limite de 14 minutos para sua execução. Cada item é composto por
cinco grupos de quatro letras. Entre os cinco grupos há quatro que apresentam
um mesmo padrão e uma mesma regra de organização de suas letras. O respondente
deve identificar o grupo que não apresenta esse padrão e marcá-lo com um x.
O Teste de Raciocínio Lógico (RL) é composto de 30
itens e tem um tempo-limite de 24 minutos para sua execução. Cada item é
formado por uma conclusão proveniente de duas premissas lógicas que não têm
nenhuma relação com o mundo. O objetivo é o respondente indicar se a conclusão
presente no item é adequada ou inadequada às suas premissas. O respondente deve
marcar uma de duas opções dadas.
O teste de raciocínio geral (RG) constitui-se de 15
itens e o tempo-limite para sua execução é 18 minutos. Cada item é formado por
um problema lógico-matemático, composto por um enunciado e um espaço para sua
resolução. O respondente deve interpretar o enunciado, resolver o problema e
escolher uma das cinco opções de resposta do conjunto de múltiplas
escolhas.
O questionário sociodemográfico utilizado inclui
solicitação de informações sobre gênero, idade e série. O item "notas
escolares dos estudantes" compreende as notas anuais dos participantes nas
disciplinas de química, física, matemática e português.
Coleta e análise de dados
Os testes foram aplicados conjuntamente, de forma
coletiva, sempre por psicólogos ou estudantes de psicologia devidamente
treinados. Foram tomados todos os cuidados éticos em relação aos participantes
e a pesquisa contou com a aprovação do Comitê de Ética da UFMG (n. ETIC
181/06).
As notas escolares apresentavam o desempenho anual
do estudante em cada disciplina do currículo e podiam variar de zero a 100
pontos e foram dispostas em cinco categorias: zero - notas menores do que
60 pontos; um –notas entre 60 e 69 pontos; dois – notas entre 70 e 79);
três - notas de 80 a 89; e quatro - notas de 90 a 100 pontos.
Para identificar a relação entre Gf e CEG foi
utilizado o modelamento por equação estrutural, através do software Amos
16. Foram usados os índices CFI e RMSEA para verificar se as relações
estipuladas pelo modelo de relações estruturais tinham bom grau de ajuste aos
dados. O modelo era considerado adequado se possuísse CFI igual ou superior a
0,90 e RMSEA igual ou inferior a 0,08 (Byrne, 2001). Para identificação dos
traços latentes do modelo foram utilizadas as seguintes variáveis: Os testes
RL, RG e I foram definidos como marcadores de Gf; as notas em português,
matemática, física, química e biologia foram definidas como marcadores da
competência escolar geral.
Para averiguação do intervalo de confiança das
cargas fatoriais obtidas no modelo foi realizado o procedimento de bootstrapping,
através do método Monte Carlo, com intervalo de confiança de 90%. Esse
procedimento foi feito pelo software Amos 16.
Resultados
O modelo estipulado e avaliado mediante o
modelamento por equação estrutural define as relações expressas a seguir. A
inteligência fluida (Gf) explica diretamente a variância das respostas dos
participantes nos testes RL, I e RG. A competência escolar geral (CEG) explica
a variância das notas escolares. Gf explica diretamente tanto a competência
escolar geral como as notas em português e física. Gf explica indiretamente
todas as notas escolares. Há uma covariação entre as notas em português e
biologia. A variância do erro da medida em RL é a mesma variância do erro da
medida em RG.
O modelo descrito possui satisfatório grau de
ajuste aos dados (χ2= 33,27, gl= 17, CFI= 0,98, RMSEA= 0,06).
Do ponto de vista da relação entre Gf e o desempenho escolar, há algumas
conexões. Uma delas é significativa, tanto do ponto de vista estatístico, como
do ponto de vista do seu poder explicativo. Ela envolve a correlação entre Gf e
CEG. A competência escolar geral dos estudantes é explicada em 27,30% de sua
variância por Gf. O bootstrapping de 1000 casos e intervalo de confiança
de 90% indica que a carga fatorial entre Gf e CEG varia entre 0,42 e
0,62, de forma que Gf explica a competência escolar geral entre 17,30% e
38,50%, o que é uma variância considerável, do ponto de vista de sua magnitude.
Gf apresenta uma relação direta positiva com português e negativa com física.
Essas relações diretas, apesar de estatisticamente significativas, são pouco
importantes do ponto de vista de sua magnitude. As cargas fatoriais presentes
não ultrapassam 0,30.
Há uma relação indireta de Gf com todas as notas
escolares, medida pela competência escolar geral. Essa relação é
estatisticamente significativa e pode ser considerada relevante do ponto de
vista de sua magnitude. A carga fatorial de Gf em português é de 0,49 e varia
entre 0,39 e 0,58 (bootstrapping de 1000 casos com um intervalo de
confiança de 90%). A carga fatorial de Gf em matemática é de 0,44 e um
intervalo de 0,34 a 0,53. Gf apresenta carga fatorial de 0,48 em química e
intervalo de 0,38 a 0,57. Gf possui carga fatorial de 0,44 em biologia,
variando entre 0,34 e 0,52. Gf apresenta carga fatorial de 0,34 em física e um
intervalo entre 0,22 e 0,44.
ESTUDO 2
Participantes
Foram analisados os dados de 273 alunos do Ensino
Médio de uma instituição particular de Belo Horizonte, Minas Gerais, obtidos no
ano de 2008. 53,80% dos participantes eram do gênero feminino, com idade
variando entre 12 e 18 anos (m = 15,86 e dp= 1,04). O número de
participantes por série foi equilibrado. A primeira apresentou 33,00% do total
da amostra, a segunda série apresentou 34,40% e a terceira série, 32,60% da
amostra.
Instrumentos
Os instrumentos utilizados no segundo estudo foram
os mesmos do primeiro estudo. Uma única diferença ocorreu: não foram
selecionados todos os itens dos testes RL, I e RG, mas um conjunto de itens de
cada um desses testes. A opção por diminuir os itens deveu-se à logística da
aplicação e ao menor tempo disponível para aplicação coletiva nas turmas da
instituição escolar. As versões resumidas foram elaboradas de forma que cada
teste não perdesse a distribuição original, em termos do intervalo da
dificuldade dos itens. Para isso foi realizada uma análise da escala de cada
teste, através da família de modelos Rasch. Por limitações de espaço esse
procedimento não será relatado neste artigo. A versão resumida do teste I e do
teste RG foi montada com oito itens de cada teste original. A versão resumida
do teste RL foi elaborada com 11 itens do original. O tempo-limite para
resolução de cada teste resumido foi ajustado em função da diminuição dos
itens.
Coleta e análise de dados
Os procedimentos de coleta e análise de dados foram
semelhantes ao primeiro estudo.
Resultados
O modelo estipulado pelo segundo estudo define as
seguintes relações: 1) a inteligência fluida (Gf) explica diretamente a
variância das respostas dos participantes nos testes RL, I, RG; 2) a competência
escolar geral (CEG) explica a variância das notas escolares; 3) Gf explica
diretamente a competência escolar geral e, indiretamente, todas as notas
escolares; e 4) RG explica diretamente as notas em português. Além das relações
apontadas, o modelo define que a variância do erro em RL é a mesma variância do
erro em I, assim como há uma covariância entre as notas de matemática e
português e as notas de matemática e biologia.
O modelo descrito possui satisfatório grau de
ajuste aos dados (χ2= 14,20, gl= 17, CFI= 1,00, RMSEA= 0,00).
A relação entre Gf e o desempenho escolar é relativamente semelhante à
encontrada no primeiro estudo. A carga fatorial entre Gf e CEG é de 0,57, com
um intervalo entre 0,45 e 0,70. A carga fatorial de Gf em português é de 0,38 e
varia entre 0,27 e 0,50. A carga fatorial de Gf em matemática é de 0,49 e
possui um intervalo de 0,38 a 0,61. Gf apresenta carga fatorial de 0,50 em
química, variando entre 0,40 e 0,62. Gf possui carga fatorial de 0,48 em
biologia, variando entre 0,38 e 0,59. Gf apresenta carga fatorial de 0,51 em
física e um intervalo de 0,40 a 0,62.
DISCUSSÃO
Pode-se concluir que não há discrepância entre a
qualidade das notas escolares da instituição do estudo um e da instituição do
estudo dois. Ambos os resultados apontam uma associação entre o raciocínio
discente e o desempenho acadêmico. Em ambos os estudos, Gf explica
aproximadamente um terço da competência escolar geral. Quais as implicações
desse resultado?
Em primeiro lugar, a existência da relação entre o
raciocínio e as notas escolares indica que a capacidade de pensar de forma
abstrata e aprender coisas novas que envolvem estruturas formais de pensamento
tem influência no desempenho escolar dos alunos de ambas as instituições.
Raciocinar bem faz diferença, independentemente de a escola adotar ou não um
ensino de estilo mais construtivista ou transmissivo.
Em segundo lugar, a existência da relação entre
raciocínio e notas escolares salienta uma boa qualidade da avaliação escolar
como indicador da formação do estudante, em termos dos princípios nacionais
estabelecidos. Ao elaborar avaliações escolares que se relacionem com o
raciocínio, a escola oferece aos alunos e seus responsáveis a possibilidade de
obter um indicador efetivo no que tange aos princípios do ENEM, e ao não privar
o estudante dessa informação, ela o incentiva a se orientar adequadamente e
regular o seu processo de aprendizagem a partir dos critérios e princípios
nacionais. Da mesma maneira, possibilita a seus responsáveis verificar quanto a
escola tem contribuído em sua formação.
Um resultado relevante deste estudo envolve a
verificação de que escolas com perfis diferentes apresentaram um resultado bem
semelhante a respeito do poder explicativo de Gf sobre a competência escolar
geral. Cerca de um terço da variância de CEG é explicado por Gf, o que, aliás,
pode ser considerado uma boa fatia. De fato, não há problema e é até bom que as
notas não sejam inteiramente explicadas pelo raciocínio. Além deste, a
motivação, o empenho, o engajamento, a responsabilidade, entre outros fatores,
podem e devem ser avaliados e valorizados pela escola. Por outro lado, há um
problema quando as notas escolares não possuem nenhuma relação com o
raciocínio, o qual não é apenas de ordem pedagógica ou de gestão escolar, mas
de ambas as ordens.
Se as escolas apresentaram uma boa qualidade do
ponto de vista da sua articulação com os princípios do ENEM, pode-se argumentar
que essa condição é necessária, mas não suficiente. É necessária, no sentido de
que sem essa associação não se pode articular a avaliação realizada pela escola
aos princípios nacionais; por outro lado, ela não é suficiente por não informar
a respeito da trajetória de desenvolvimento dos alunos. Atualmente, não é um
processo fácil comparar as notas escolares das diversas séries cursadas por um
aluno. Conforme já argumentado na introdução deste artigo, semelhantemente ao
ENEM, as notas escolares não podem ser comparadas diretamente de ano para ano.
Da mesma maneira, não se podem comparar diretamente as notas de um estudante de
um ano para o outro. Em algumas situações, tirar 70 pontos em um ano é mais
difícil e requer mais aprendizagem e conhecimento do que tirar 90 pontos no ano
anterior ou posterior. Para esses desafios, é necessário que as escolas venham
a incorporar em seu sistema de avaliação instrumentos de medida e estratégias
de tratamento de dados mais sofisticados.
Do ponto de vista da gestão e política das
instituições, possuir uma avaliação que se articule à inteligência é também uma
condição necessária, mas não suficiente. O fato de haver uma relação entre as
notas escolares e a inteligência fluida não vincula obrigatoriamente a escola a
uma política de ação relacionada ao desenvolvimento da inteligência. É possível
que a escola seja apenas capaz de avaliar, mas não de intervir. Além disso,
conforme os argumentos de Martin (1998) e Martinson (2000), a escola pode
utilizar essas informações de maneira a não promover o amadurecimento da
comunidade escolar e a construção de metas palpáveis de médio e longo prazo.
Conforme argumentado, o ENEM tem causado impacto
gradativo no trabalho docente (Zanchet, 2007) e um forte impacto mercadológico
(Castro, 2009). Para que as mudanças tenham qualidade educacional é relevante
que a avaliação articulada ao raciocínio se vincule a metas e programas de
ensino voltados ao desenvolvimento da inteligência (competências) dos
estudantes, sob pena de a educação brasileira avaliar relativamente bem e atuar
muito mal. Vianna (2003), Fini (2005), entre outros, oferecem uma dica
interessante ao ensino brasileiro, justamente mostrando a estrutura da
avaliação do ENEM. No ENEM, ao invés de preocupar-se exclusivamente em
relembrar conceitos e procedimentos, o aluno deve focar sua atenção e esforço
em compreender o problema e formar relações, já que as informações estão
disponibilizadas dentro do problema. Por sua vez, o ensino atual prototípico
possui uma estrutura que prioriza a informação no lugar da construção e
transformação da informação. A partir da reflexão sobre a estrutura dos itens
do ENEM e sua proposta, é possível à educação brasileira repensar os programas
e atividades presentes nas suas escolas, de forma a incentivar novas maneiras
de ensinar. Essa condição, articulada a uma avaliação coerente, parece ser uma
possibilidade importante a um país que necessita melhorar de forma intensiva o
nível educacional do seu povo.
REFERÊNCIAS
Brasil. Ministério da Educação e Cultura. (1998).
ENEM: documento básico. Brasília, DF: autor.
Brasil. Ministério da Educação e Cultura. (2000).
ENEM: documento básico. Brasília, DF: autor.
Brasil. Ministério da Educação e Cultura. (2001).
ENEM: relatório. Brasília, DF: autor.
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